Critérios para redução proporcional da cláusula penal quando há adimplemento substancial do contrato

A cláusula penal é uma disposição contratual que prevê uma penalidade ou indenização em caso de descumprimento de uma obrigação, servindo tanto como mecanismo de coerção, quanto como previsão de perdas e danos.

Sua aplicação deve sempre considerar os princípios da equidade e a função social dos contratos. Nesse sentido, a legislação já estabelece regras para proteção dos contratantes, como, por exemplo, a de que o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal (artigo 412 do Código Civil).

Com vistas ao equilíbrio das relações negociais, há também determinação legal de que a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

Isso é o que dispõe o artigo 413 do Código Civil.

Ao contrário do Código Civil anterior, de 1916, que previa a redução da cláusula penal como faculdade do magistrado, o Código vigente trata essa diminuição como norma de ordem pública, obrigatória: é dever do juiz e direito do devedor, com base nos princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato.

Entretanto, a redução da cláusula penal não deve se dar por simples adequação matemática entre o grau de inexecução do contrato e o abatimento da penalidade; em vez disso, na busca de um patamar proporcional e equitativo, é preciso analisar uma série de fatores para garantir o equilíbrio entre as partes contratantes, como o tempo de atraso, o montante já quitado e a situação econômica do devedor, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça no REsp 1898738.

No julgado, a Corte Superior reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que havia afastado a possibilidade de redução da cláusula penal por considerar que deveriam prevalecer as condições contratuais acertadas pelas partes em um acordo de renegociação de dívida.

No acordo, as partes negociaram a redução da dívida, de cerca de R$ 50 mil para R$ 32 mil, e estabeleceram que, na hipótese de atraso nos pagamentos mensais, o valor voltaria a ser o original, acrescido de 20%.

Após cumprir a maior parte do acordo, o devedor pagou com atraso as duas últimas parcelas, motivo pelo qual o juiz deferiu o pedido de prosseguimento da execução no valor original, com a incidência do percentual de acréscimo, o que foi mantido pelo Tribunal Estadual.

O STJ apontou que o restabelecimento do montante original da dívida, acrescido dos 20%, praticamente dobraria o valor da dívida negociada, e considerou que, apesar do atraso de pouco mais de dois meses no pagamento das últimas duas parcelas, o pagamento integral do acordo foi realizado.

Dessa forma, concluiu que: (i) mesmo fora do prazo, o pagamento trouxe benefícios ao credor, (ii) o atraso não foi significativo, e (iii) o acordo foi celebrado por pessoas em igualdade de condições.

Como resultado, considerou justo e proporcional reduzir a cláusula penal para 20% do valor das parcelas que foram pagas com atraso.

Ou seja, em seu voto, a ministra Nancy Andrighi defendeu que a redução da cláusula penal, nos termos do artigo 413 do Código Civil, deve ocorrer por meio de uma apreciação equitativa do juiz, não existindo equivalência matemática a ser obrigatoriamente seguida.

A avaliação equitativa deve considerar o grau de culpa do devedor, eventual desequilíbrio de forças entre as partes e o montante pago, entre outros fatores – como a avaliação da utilidade que o pagamento, mesmo imperfeito, tenha gerado para o credor.

A redução do valor da multa na hipótese de pagamento parcial respeita, portanto, o dever de equilíbrio e igualdade entre as partes contratantes, e assegura que as prestações sejam justas e proporcionais, restringindo o caráter absoluto dos princípios da liberdade contratual e pacta sunt servanda – os quais, todavia, impedem que, mesmo com o inadimplemento de pequena monta, seja afastada de forma completa a incidência da cláusula penal“, disse a ministra.

No mesmo sentido entende a doutrina: ao comentarem o art. 413 do Código Civil, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam: “Para que se possa chegar à determinação do que seja manifestamente excessiva não se pode, pois, levar em consideração apenas o valor da cláusula penal em confronto com o efetivo prejuízo, já que é da essência da pena o seu valor pode ser, mesmo, maior que o do efetivo prejuízo. Além da análise da proporcionalidade entre o valor da pena e o prejuízo causado, devem ser buscados outros critérios para a aferição da necessidade da redução equitativa da pena pelo juiz, como, por exemplo, o grau da culpa, a função social do contrato e a base econômica em que foi celebrado” (Código Civil Comentado. São Paulo. RT. 2011, 8ª Ed., p. 529).

Portanto, os critérios para redução proporcional da cláusula penal, nos termos do artigo 413 do Código Civil, devem ocorrer por meio de uma apreciação equitativa do juiz, não existindo equivalência matemática a ser obrigatoriamente seguida.

logo_cabral_soares_sociedade_de_advogados-removebg-preview-1

Podemos ajudar você a transformar desafios em oportunidades!